«RAPAZINHOS» E OUTRAS ORQUÍDEAS
Crónica sobre uma visita do Fapas a esta sua propriedade (*)
Aceras anthropophorum
Estação ferroviária de Caxarias, 7 de Março, 11 horas da manhã. Do norte e do sul, chegam os apaixonados por orquídeas que aceitaram o convite do FAPAS – Fundo para a Protecção dos Animais Selvagens para mais uma jornada de campo. O grupo de cerca de trinta pessoas que estas flores veneradas em todo o mundo, juntaram, segue para a Câmara Municipal de Ferreira do Zêzere onde é recebido para uma breve cerimónia de boas vindas e é manifestada uma disponibilidade recíproca das duas instituições, Autarquia e FAPAS, para o desenvolvimento de ações futuras em prol da natureza, das orquídeas em particular.
Após um breve almoço com muita conversa entre as pessoas que já se conhecem e os novos amigos que as flores proporcionaram, partimos finalmente para o terreno a alguns quilómetros da sede do concelho.
Cumes é uma micro reserva com cerca de dois hectares que o FAPAS e a QUERCUS adquiriram há já alguns anos, precisamente para salvaguardar uma interessante ocorrência de orquídeas.
Uns minutos depois de iniciarmos a caminhada, confirmamos logo o privilégio de sermos guiados pela Drª Rosa Pinho, Curadora do Herbário do Departamento de Biologia da Universidade de Aveiro. Munida de um guia de dedicado às orquídeas e de máquina fotográfica, identifica-nos rapidamente a primeira espécie. Uma Orchis italica mesmo na berma do caminho.
Orchis italica
O dia promete. As pessoas que formam o grupo demonstram um enorme interesse no meio que vão desfrutando e nas explicações de Rosa Pinho, que a tudo está atenta e para todos disponível, esclarecendo as questões que vão crescendo com as descobertas no percurso. De vez em quando levanto a cabeça. Desviando-me do foco do passeio, procuro uma intromissão voadora no céu completamente limpo. Apenas um búteo e três gralhas-pretas. Pousado num pilriteiro avisto mais adiante um cartaxo-comum e do seio da vegetação rasteira chega o canto de toutinegras. Um sol radioso e uma temperatura amena evocam a primavera que já não está longe.
Ophrys apifera
Mais perto, está a entrada da reserva. Acedemo-la pela parte mais baixa, iniciando as pesquisas num lameiro ladeado pelo leito de um ribeiro onde em momentos de maior abundância correrá alguma água. É uma leira outrora agricultada, onde cultivares de oliveiras talvez misturadas com algum exemplar bravio, são, juntamente com carrascos, a componente mais visível de um coberto maioritariamente arbustivo, disperso no solo pedregoso. O terreno, ensolarado, expande-se com algum declive. Lá mais para o alto, são pinheiros-bravos que definem o cenário nos limites da reserva. Contra o céu, só azul.
Ophrys speculum
Agora mais distribuídos pelo terreno em que vamos progredindo, todos tentamos encontrar as flores. E à medida que o tempo corre a frase que mais se escuta é «há mais aqui!». Rosa Pinho é solicitada para confirmar a identificação das plantas e para grande satisfação da comunidade, entre os muitos alertas, alguns encaminham-nos para novas espécies. Uma hora depois, já acrescentamos no caderno de campo a Ophrys apifera, a Ophrys speculum, a Ophrys fusca e a Ophrys bombyliflora. Pelo meio, nas pausas para registos, a nossa guia acicata-nos o interesse pelas orquídeas, disponibilizando mais informação. Que se trata de uma família imensa de dezenas de milhares de espécies distribuídas pelo globo, principalmente nas cinturas tropicais. Que os endemismos são, como seria de esperar, mais expressivos nos territórios insulares. Que Portugal terá cerca de oitenta espécies. Que o que mais caracteriza estas flores são o seu caracter elaborado, quer de formas, quer de cores.
Ophrys fusca
A reduzida dimensão das orquídeas selvagens obriga-nos a aprecia-las de muito perto. Só dessa forma percebemos o engenho com que evoluíram para facilitar a vida de quem assegura a polinização de que dependem. Nada evidente, mas ainda mais curiosa, é «astúcia» com que atraem os insectos que transportam o pólen. Nem sempre lhes dão o néctar que estes procuram. Por vezes enganam-nos, produzindo feromonas que os insectos pensam ser do seu sexo oposto. A forma e a cor ajudam a «impostora».
Ophrys bombyliflora
A Orchis mascula, que se seguiu, agradou-me particularmente já que há uns tempos que a tentava fotografar no Gerês. Entre arbustos dispersos de Cistus monspeliensis e Rhamnus alaternus, avistamos mais três orquídeas. A Ophrys tenthredinifera, a Barlia robertiana e a Aceras anthropophorum. Esta última é vulgarmente designada «rapazinhos». Se observada atentamente percebe-se o porquê de tão curioso nome.
Orchis mascula
Ao todo foram nove espécies. O sucesso da jornada na reserva de Cumes ficou garantido. E nela ficou também a promessa do FAPAS em promover novas saídas de campo algumas em torno de outros pequenos espaços naturais também seus, nomeadamente na serra Amarela, dentro dos limites do Parque Nacional da Peneda-Gerês e nas arribas do Côa, numa parcela inserida no projecto Faia Brava, da ATN – Associação Transumância e Natureza.
Ophrys tenthredinifera
Oportuno referir neste contexto, a Quinta de Chão de Carvalhos. Uma propriedade recentemente doada ao FAPAS, com cerca de dois hectares na margem do rio Febros no concelho de Vila Nova de Gaia e que desde há escassos dias passou a ser a sede desta associação. Para este muito bonito núcleo rural existem grandes ideias especialmente vocacionadas para a educação ambiental. Em tempo oportuno irá merecer uma visita para mais um Dias Com Vida Selvagem na WILDER.
Barlia robertiana
Texto e fotos de Miguel Dantas da Gama
11 março 2020
(*) Publicado na Wilder: https://www.wilder.pt/cronicas/rapazinhos-e-outras-orquideas/