EM DEFESA DO SOLO RÚSTICO!

Comunicado
08/12/2024
EM DEFESA DO SOLO RÚSTICO!

Em 23/09/1982 o Conselho de Ministros, presidido por Pinto Balsemão, aprovou a criação da Reserva Agrícola Nacional (RAN) que (art.º 1º do Decreto-Lei nº 451/82) “… integra os solos com maior aptidão para a produção de bens agrícolas indispensáveis ao abastecimento nacional, para o pleno desenvolvimento da agricultura e para o equilíbrio e estabilidade das paisagens.”, uma iniciativa do Ministro de Estado e da Qualidade de Vida, Gonçalo Ribeiro Teles, que foi considerada um avanço legislativo de grande mérito e alcance no ordenamento do território.

Esse diploma viria a ser alterado em Conselho de Ministros de 09/03/1989, presidido por Cavaco Silva, mas manteve a RAN em vigor.

Agora, o Conselho de Ministros, na sua reunião de 28 de novembro de 2024, aprovou uma alteração ao Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (RJIGT), criando um regime excecional de reclassificação de solos rústicos para solos urbanos, com vista a diminuir a necessidade de habitação.

Se a intenção é boa, aumentar a oferta de habitação acessível, tememos que o resultado seja catastrófico!

Ao longo dos 42 anos de vida da RAN a sua aplicação e transposição, nomeadamente para os Planos Diretores Municipais (PDM), foi feita, na generalidade, de modo cego, por pseudo-urbanistas, criando, especialmente nas periferias urbanas, bolsas de RAN sem dimensão, o que levou ao abandono de muitas parcelas agrícolas por falta de viabilidade de exploração.

Assim, o número de explorações agrícolas teve uma diminuição de cerca de 15,5 mil (de 2009 a 2019), embora a área utilizada para a agricultura tenha aumentado 8,1%, sendo agora correspondente a cerca de 43% do território do continente, isto devido, em muito, ao abandono da agricultura no minifúndio e ao aumento da mecanização no latifúndio.

Essas bolsas inúteis de RAN deram lugar a apetites urbanísticos e muitos empresários da construção civil foram adquirindo esses terrenos a baixo preço, na expectativa de que, um dia, ali pudessem construir. E esse dia parece ter chegado!

Alguns (poderíamos indicar nomes) passaram anos a difamar a RAN, e até usaram académicos para o fazer de modo supostamente técnico, esquecendo que já em 1815 o conceituado cientista e político Bonifácio de Andrada e Silva escreveu “Pelo primeiro cálculo, que nenhuma pessoa assisada pode contestar, fica patente a grande falta que temos de terrenos, bem ou mal agricultados, para nos sustentarmos…

Esqueceram os detratores da RAN que o solo fértil é um dos bens mais precioso de uma nação, um dos principais suportes da vida na Terra, um recurso não renovável em tempo de vida humana, que pode levar milhares de anos a formar-se.

E, apesar disso, o solo cultivável continua a diminuir vítima da erosão, cuja velocidade o homem aumenta continuamente, e da fragmentação, consequência do contínuo aumento populacional.

Segundo a Doutora Maria Teresa de Azevedo, da Faculdade de Ciências de Lisboa, “Na Carta de Solos de Portugal pode observar-se que Portugal apresenta os valores mais desfavoráveis entre os países do Sul da Europa, com 66% dos seus solos classificados de baixa qualidade. São poucos os solos em Portugal com boa aptidão agrícola, sendo a principal causa da degradação do solo em Portugal Continental a erosão provocada pela precipitação, com distribuição irregular de chuva e ocorrência de secas…[1]

Portanto, qualquer medida que tenha como consequência diminuir a área de solos agrícolas, em exploração ou potencialmente utilizáveis, não é do interesse nacional, mesmo que a intenção seja ajudar a resolver o problema da habitação!

Não faltam terrenos disponíveis que os PDM já consideram aptos para construção e, se o seu preço é elevado, como foi argumentado, estipulem-se regras de avaliação, mas não se pretenda baixar os valores à custa da espoliação dos solos agrícolas. Até admitimos pequenas cedências, aqui e ali, para correção de erros dos PDM, correções que, de resto, já têm vindo a ser feitas, mas nunca admitiremos grandes alterações do uso do solo, muito menos em áreas protegidas e classificadas.

As principais áreas urbanas já têm densidade habitacional que chegue para congestionar as suas infraestruturas viárias, as redes de abastecimento e recolha, e depreciar a qualidade de vida dos seus habitantes; precisam que as áreas sobrantes sejam mantidas livres, com praças e espaços verdes e não com mais betão. A grande aposta deve ser na promoção do interior mais despovoado criando apetência para ali viver e trabalhar.

O Governo prometeu que “Este regime excecional, aplicável por deliberação dos órgãos municipais, não abrange às áreas mais sensíveis do ponto de vista de riscos, de conservação da natureza e de elevado potencial agrícola”, mas a seguir o ministro da Presidência, António Leitão Amaro, informou que “...nas áreas identificadas como habitats protegidos pelo Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) vão ser aplicadas medidas de conservação da natureza. Mas a área protegida que não seja classificada como habitat será libertada para construção, havendo a remoção das limitações hoje existentes.”

Quer dizer, só não se mexe nas áreas da Rede Natura 2000, com medo da União Europeia?

Segundo o MSN Portugal “… haverá 61 áreas protegias que vão ser reclassificadas e de onde vão ser libertados terrenos para construção. O primeiro passo já foi dado: “O Governo aprovou o primeiro de 61 diplomas”, o qual delimita a “área especial da Serra de São Mamede, no distrito de Portalegre”, indicou o governante citado pelo mesmo meio. A aprovação dos restantes 60 diplomas vai avançar nas próximas semanas.”[2]

Diminuir as áreas protegidas em nome da habitação acessível é um contrassenso, um recuo na história que, esperamos, não se concretize.

Esperaram que o Arquiteto Gonçalo Ribeiro Teles nos deixasse, para avançarem com o que, há muito, alguns (poucos) pseudo-urbanistas pediam; regressar ao regabofe a que estavam habituados antes da RAN e da REN (Reserva Ecológica Nacional).

Como foi referido na comunicação social, “…O Executivo de Montenegro está a avançar com a transposição de uma diretiva europeia com 20 anos, que visa proteger os habitats e libertar outras áreas do território.”; ora a legislação em incumprimento é a Diretiva 92/43/CEE do Conselho, de 21 de Maio de 1992, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens, que obrigava a criar regulamentos próprios para cada uma das 61 zonas especiais de conservação (ZEC) instituídas ao abrigo da Diretiva Habitats, o que Portugal não fez, pelo que o Serviço Jurídico da Comissão Europeia propôs ao Tribunal de Justiça a aplicação de uma multa a Portugal que, com a sanção compulsória, vai já em perto de 100 milhões de euros.

E é desses 61 sítios (ZEC) que o Governo fala agora dando a perceber que vai criar os respetivos regulamentos de modo a libertar áreas para construção o que fará, seguramente, aumentar a referia multa comunitária em muitos milhões de euros por afronta à legislação comunitária!

Esperamos que tudo isto não passe de um mal-entendido, gerado por erros de assessores que informaram mal o Governo e por desconhecimento da imprescindibilidade do solo cultivável para o desenvolvimento de Portugal; casas, podem fazer-se sobrepostas, em andares, hortas e campos de cereais só têm um nível, o do solo!

08/12/2024
Nuno Gomes Oliveira
Presidente da Direção da FAPAS
Associação Portuguesa para a Conservação da Biodiversidade.

 

INFORMAÇÕES:
Nuno Gomes Oliveira
fapas@fapas.pt

[1] Azevêdo, M.T. M. de (2008) Solos – A pele da Terra, in Mateus, A. (Coord.), Solo: a pele da Terra. Departamento de Geologia FCUL , Lisboa, pp. 6-11. Acessível em http://geologia.fc.ul.pt/documents/163.pdf, consultado em 08/12/2024.

[2] https://www.msn.com/pt-pt/financas/casas/governo-vai-libertar-terrenos-de-61-%C3%A1reas-protegidas-para-constru%C3%A7%C3%A3o/ar-AA1vl7eG?ocid=finance-verthp-feeds&apiversion=v2&noservercache=1&domshim=1&renderwebcomponents=1&wcseo=1&batchservertelemetry=1&noservertelemetry=1

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