Plano de Recuperação e Resiliência
ANÁLISE DO DOCUMENTO SÍNTESE DE 15/02/2021
A FAPAS – Associação Portuguesa para a Conservação da Biodiversidade, com sede na Quinta de Chão de Carvalhos, Rua das Alheiras, 960, 4415-154 Pedroso (Vila Nova de Gaia), inscrita no Registo Nacional de Organizações não Governamentais de Ambiente e Equiparadas Nº 131/N, reconhecida de Utilidade Pública (Diário da República, 2ª Série, nº 58, de 23/03/2020), acreditada como Centro de Formação de Professores CCPFC/ENT-NI-0145/18 e inscrita no Registo da Transparência UE: 085425136903-05, analisou com todo o cuidado o PRR (Plano de Recuperação e Resiliência) que, na generalidade, nos parece uma boa proposta de trabalho e ação.
Considerando o nosso âmbito de ação – conservação da biodiversidade – notamos todavia várias lacunas, para as quais vimos solicitar atenção.
Uma simples contagem dos termos usado na versão síntese do PRR denota algum tipo de opções e alguns “esquecimentos” tendo em vista a recuperação da situação económica, social e ambiental do país e o regresso a uma situação de maior equilíbrio (que não diz qual é). Tal não ocorre por acaso, seguramente, pois que termos desvalorizados ou “esquecidos”, são-no porque não estão no conjunto do “core das preocupações” dos redatores do documento.
ESTATÍSTICA DE TERMOS USADOS
(número de páginas em que o termo é referido)
Ambiental: 23
Áreas classificadas: 1
Biodiversidade: 6
Conservação da natureza: 1
Ecologia: 11
Ecossistema: 12
Floresta: 15
ICNF: 2
RAN (Reserva Agrícola Nacional): 0
REN (Reserva Ecológica Nacional): 0
Restauro: 2
Sequestro (de carbono): 4
A esse propósito citamos: “A descarbonização tem sido até agora o tema que mais ocupa a agenda… No entanto, poucas dúvidas restam que, muito depressa, o tema que vai passar a ser o mais falado será a biodiversidade e o estado dos ecossistemas. Quem o disse foi João Pedro Matos Fernandes, ministro do Ambiente e da Ação Climática….em 28 de janeiro” passado.
No entanto, esse tempo ainda não chegou e o PRR, nas suas 143 páginas (versão síntese) apenas refere a “biodiversidade” em 6 páginas; é pouco!
Visto que alguns dos grandes problemas do momento são ambientais (porventura a maioria, nomeadamente as alterações climáticas e a origem da pandemia) há termos como “biodiversidade” e outros que, forçosamente, teriam de figurar repetidamente no PRR.
O termo mais usado, contudo, é “resiliência”, termo recentemente entrado no discurso corrente (e bem) que se define como a propriedade de um corpo, ou um sistema, recuperar a sua forma ou funcionamento original após sofrer deformação ou forte perturbação. Esse deve ser, de facto, a preocupação central do PRR, mas os sistemas que mais degradação sofreram nas últimas décadas (séculos) foram os sistemas naturais (responsáveis pelo nosso abastecimento em alimentos, água, energia e matérias primas), e sem os recuperar não se recuperarão os sistemas económicos e sociais.
Um elástico é um dos exemplos clássicos de material resiliente mas, se se esticar demais, rebenta e nunca mais volta à forma original! É verdade que se pode dar um nó nas pontas, mas não é a mesma coisa.
Não deixa de ser curioso que, a 3 meses do início da Década das Nações Unidas para o Restauro dos Ecossistemas (2021-2030) esse evento e os seus objetivos nem sequer sejam referidos diretamente, como não é referida a Estratégia de Biodiversidade da União Europeia para 2030 (o mesmo prezo de vigência do nosso PRR).
Do documento retiramos algumas partes que nos oferecem comentários e sugestões que destacamos:
Pág. 4
“Igualmente respeita as concentrações obrigatórias estabelecidas no Regulamento do Instrumento de Recuperação e Resiliência que estabelece a obrigatoriedade de pelo menos 37% do valor global dos Planos estar afeto a reformas e investimentos que contribuam para o combate às alterações climáticas (conforme dimensões e códigos estabelecidos no seu Anexo) e de pelo menos 20% ser afeto a investimentos e reformas no âmbito da Transição Digital. Adicionalmente, garante que todas as reformas e investimentos respeitam o princípio de não prejudicar significativamente os objetivos ambientais.”
Ora sesse respeito pelos objetivos ambientais não está explícito no PRR e mesmo as medidas e ações de combate às alterações climáticas devem respeitar outras componentes do ambiente. Veja-se o caso dos milhares de hectares de centrais fotovoltaicas em projeto e já existentes: respeitam a paisagem, o solo e a biodiversidade? Temo sérias dúvidas e registamos a falta de um plano nacional estratégico prévio ao eu licenciamento. Licenciar os parques fotovoltaicos um a um não faz sentido, pois 200 ha no Alentejo, mais 100 ha em Trás-os-Montes, etc., perfaz os tais milhares de que acima falamos.
Deve ser objetivo inscrito no PRR a elaboração de um estudo ambiental estratégico sobre a instalação de centrais fotovoltaicas, aerogeradores e barragens.
Pág. 11
“Fileira Integrada de Lítio e Fabrico de Baterias
Um projeto estratégico transfronteiriço entre Portugal e Espanha
Dando uma dupla resposta às estratégias europeias para as matérias primas e para as baterias, Portugal pretende desenvolver com Espanha uma fileira industrial e de inovação de processos e produtos, completa, que permita o bom aproveitamento – usando técnicas de green mining – para o lítio existente nos dois países, desenvolvendo um projeto transfronteiriço para a construção e reciclagem de baterias elétricas para automóveis.”
Não temos dúvidas sobre a necessidade e oportunidade de explorar e aproveitar os nossos recursos geológicos, e a história demonstrou a importância deste setor de atividade.
Mas são muitas as dúvidas sobre o enorme impacto ambiental (paisagem recursos hídricos, etc.) do caminho anunciado.
Parece-nos oportuno citar Pekka A. Nurmi (2017), dos Serviços Geológicos da Finlândia. “A mineração tornou-se cada vez mais difícil em todo o mundo por razões sociais e ambientais. (…) As pessoas não estão dispostas a reduzir radicalmente o uso de produtos à base de minerais, mas opõem-se cada vez mais à mineração. (…) O conceito Green Mining (GM) foi desenvolvido como uma ferramenta importante para tornar a Finlândia a precursora da mineração sustentável. Promove a eficiência de material, água e energia para reduzir a pegada ambiental dos ciclos de vida de produtos à base de minerais. A GM permite a recuperação de todos os minerais úteis e minimiza o desperdício da mineração. (…). Um objetivo importante da GM é minimizar os impactos ambientais e sociais adversos em todas as fases das operações e maximizar os benefícios locais. A GM ajuda a organizar as operações de forma que sejam seguras e significativas para os trabalhadores e inofensivas para os residentes locais e para o ambiente. Após o encerramento da mina, a GM ajuda a restaurar as áreas de mineração para as tornar seguras e, de preferência, para permitir outros tipos de uso do solo. A ampla participação dos residentes locais e outras partes interessadas é crucial em todo o ciclo de vida da mineração, desde a exploração inicial até ao fecho da mina. Empresas, governos e investidores não devem tolerar empresas de mineração insustentáveis no futuro. A indústria de mineração tem que resolver os crescentes problemas sociais, ecológicos e técnicos do futuro, aplicando conceitos holísticos, como o conceito de Green Mining, se quiser ganhar a licença social para operar.”
Integrar no processo em curso estes princípios deve ser preocupação inscrita no PRR.
Pág. 13
“A agenda temática 3 está focada na transição climática e na sustentabilidade e uso eficiente de recursos, promovendo a economia circular e respondendo ao desafio da transição energética e à resiliência do território.”
Não se trata, apenas, de reduzir as emissões de CO2, trata-se de o fixar (sequestrar) pelo que a opção fundamental deverá ser aumentar a área florestal de Portugal de 39% do território, dos quais apenas 3% de floresta do Estado (2017); ora se Portugal tem 730 mil casas vazias e abandonadas, (Fonte: OCDE) pode-se extrapolar para dezenas de milhar de hectares de terrenos na mesma situação, sendo que em 30/04/2018 a “Bolsa de Terras” tinha registados 17.125 ha de terrenos desocupados (Ver pág. 24 do PRR).
Assim, deve ser prioridade da PRR aumentar, pelo menos 6 vezes, a área de floresta do Estado com recurso a espécies autóctones o que obriga a pensar na conveniência de repor a divisão do ICNF em ICN (Instituto de Conservação da Natureza) e ICF (Instituto de Conservação das Florestas), neste caso com a reposição – renovada e atualizada – da antiga estrutura dos Serviços Florestais (isto é “resiliência”).
Pág. 23
“1.º pilar: Transição verde
O desafio da transição verde, ancorado no Pacto Ecológico Europeu, traduz-se na contribuição dos investimentos para as metas climáticas e ambientais, assegurando uma transição justa e respeitando o princípio de “do no significant harm”(4).
(4) Conforme estabelecido no Regulamento do IRR é obrigatório o respeito do princípio do DNSH que significa não apoiar ou realizar atividades económicas que causem danos significativos a qualquer objetivo ambiental na aceção do Artigo 17.o do Regulamento (UE) 2020/852 do Parlamento Europeu e do Conselho (Regulamento da Taxonomia da UE).”
Ora acontece que a pratica demonstra que tem sido apoiadas por fundos nacionais e comunitários inúmeras “atividades económicas que causem danos significativos a qualquer objetivo ambiental”; convém ter presente que nas definições da EU “atividades económicas” não são, apenas, as praticadas por empresas, mas também por fundações, cooperativas, associações ou outras entidades que vendam bens ou serviços.
O PRR deve incluir explicitamente garantidas de cumprimento do princípio “do no significant harm”, incluindo procedimentos de controlo e avaliação.
Pág. 24
“aumentar a capacidade de sequestro de carbono da floresta é também fundamental para que possa ser alcançada a neutralidade carbónica e para fomentar a capacidade de adaptação do território às alterações climáticas, aspeto em que a gestão hídrica assume também um aspeto crucial, especialmente na região sul de Portugal.”
Ver comentário à pág. 13 do PRR
Pág. 64
“Agendas/ Alianças Verdes para a Reindustrialização (372 M€)
Biotecnologia verde e floresta sustentável;”
O conceito de “floresta sustentável” teria de ser mais bem explicitado, nomeadamente se o PRR se refere à sustentabilidade económica da fileira madeireira, ou à sustentabilidade ambiental.
O PRR deve definir claramente o conceito de “floresta sustentável”.
Págs. 75 a 77
“Componente 7. Infraestruturas
Ligações transfronteiriças (110 M€)
Ligação de Bragança a Puebla de Sanabria (ES);
Ponte internacional sobre o Rio Sever;
Ponte Alcoutim – Sanlúcar del Guadiana (ES).”
Qualquer uma destas três obras de ligação transfronteiriça vai “cortar” e fragmentar territórios de elevado valor natural, sendo o primeiro o Parque Natural de Montesinho, outro (Montalvão a Cedilho) muito perto do Parque Natural da Serra de S. Mamede e, finalmente, a Ponte de Alcoutim a Sanlúcar que, não tendo em si grande impacto, vai ter na região cujos novos acessos irão atravessar, quer no lado Português, quer do Espanhol. Não esquecemos a eventual importância para o desenvolvimento local dos menosprezados territórios do interior (que deve ser prioridade do PRR).
O PRR deve impor a elaboração de estudos prévios sobre a importância e utilidade destas obras e o seu impacto no território em relação à paisagem e biodiversidade.
Págs. 80 e 81
“Componente 8. Florestas
- b) Proteger a biodiversidade e valorizar o capital natural dos territórios e os serviços prestados pelos ecossistemas, apoiando o restauro, a recuperação e a reabilitação de ecossistemas agroflorestais, em particular de áreas ardidas e em áreas classificadas, e afirmar e valorizar a biodiversidade como um ativo territorial;”
Sendo objetivos que inequivocamente apoiamos, lembramos que implicam grandes orçamentos, até pela extensão das áreas, e planos de médio e longo prazo.
O PPR deverá quantificar a verba disponível para remunerar “os serviços prestados pelos ecossistemas, apoiar o restauro, a recuperação e a reabilitação de ecossistemas agroflorestais” e traçar metas para o efeito.
Pág. 84
“Transformação da Paisagem dos Territórios de Floresta Vulneráveis (270 M€)
Elaborar 20 Programas de Reordenamento e Gestão da Paisagem (PRGP) nos territórios delimitados como vulneráveis;”
São objetivos que, sem dúvida, apoiamos e consideramos fundamentais, só pecando por serem poucos (o que compreendemos dado o prazo de execução dom PRR).
O PRR poderia e deveria incluir a elaboração (dentro do seu prazo de execução) de um plano nacional de médio e longo prazo para o “Reordenamento e Gestão da Paisagem”.
Págs. 86 a 88
“Componente 9. Gestão Hídrica
Desenvolvimento de uma estratégia de resposta integrada a situações de risco, tendo em conta as diversas capacidades de armazenamento estratégico de água;
Redução da probabilidade de ocorrência de cheias;
Garantia de caudais ecológicos no suporte aos ecossistemas;
Promoção da utilização circular dos recursos hídricos através do aproveitamento de águas residuais tratadas;
Desenvolvimento sustentável de atividades turísticas, compatibilizando a proteção e valorização do património natural com a afirmação de uma fileira de produtos turísticos diferenciados.”
Parece-nos que estes objetivos – com que, no geral, concordamos – devem ser mais detalhados, como, por exemplo, referir o reforço da REN (Reserva Ecológica Nacional), que, estranhamente, nunca é referida (assim como não é a RAN – Reserva Agrícola Nacional), apesar de ser um instrumento pioneira e fundamental para evitar a fragmentação do território.
Deve ser dado grande destaque à recuperação dos corredores ripícolas e à sua conexão, fundamentais para os objetivos traçados no PRR.
O PRR deve referir o reforço da REN (Reserva Ecológica Nacional) e da RAN – Reserva Agrícola Nacional), vistos enquanto instrumentos fundamentais de ordenamento do território.
O PRR deve prever planos e orçamento para a recuperação, requalificação e refuncionalização dos corredores ripícolas dos pequenos e grandes cursos de água.
Págs. 89 e 90
“Aproveitamento hidráulico de fins múltiplos do Crato (171 M€)
Barragem: coroamento a 252 m, com altura total de 52 m
Central solar fotovoltaica (painéis solares, inversores, apoios dos painéis): instalação de painéis fotovoltaicos correspondentes a uma potência de 75 MW a instalar em 150 ha de terrenos adjacentes à albufeira (em 2 etapas).”
Temos sérias reservas quanto à utilidade e ao impacto ambiental de “novos aproveitamentos hidráulicos”, ainda por cima desta dimensão, e que frequentemente mascaram outros objetivos como o turismo ligado à água; o aproveitamento hidráulico deve ser baseado em ações naturais e não em obras artificiais, que permitem transformar solos de sequeiro em regadio, em lugar de adaptar as culturas.
O PRR deveria contemplar, dentro do seu prazo de execução, a elaboração de planos nacionais de ordenamento agrícola (a exemplo dos planos florestais, PROFs) que definam claramente os produtos agrícolas e pecuários que o país necessita produzir, em que quantidades e onde.
Pág. 119
“Componente 16. Empresas 4.0 119
Nesta componente deveriam ser explicitamente incluídas as ONGAs (Organizações não Governamentais de Ambiente), consideradas empresas na classificação da União Europeia (desde que tenham trabalhadores e vendam bens ou serviços).
O PRR deveria prever um orçamento para relançamento as ONGAs de modo a ganharem (no prazo do PRR) autonomia financeira corrente e a serem menos dependentes dos apoios do Estado, das Autarquias e da Europa, exceto para projetos de investimento.
A reforçar esta preocupação das ONGAs, vem a recente publicação do Orçamento do Fundo Ambiental para 2021 (Despacho n.º 1897/2021 de 19 de fevereiro), que nada prevê especificamente para apoio às ONGAs, não cumprindo, assim, o previsto no artigo 14º. da Lei nº 35/98, atualizada pela Lei n.º 82-D/2014: “1 – As ONGA têm direito ao apoio do Estado, através da administração central, regional e local, para a prossecução dos seus fins.”
Quinta de Chão de Carvalhos, 25 de Fevereiro de 2021
A Direção do
FAPAS – Associação Portuguesa para a Conservação da Biodiversidade
Documento em pdf: Análise PRR (1)
Pode baixar o pdf aqui