A Co(n)gestão das Áreas Protegidas

COMUNICADO DE IMPRENSA
23/08/2019

A Direção do FAPAS (Fundo para a Protecção dos Animais Selvagens) analisou o Decreto-Lei n.º 116/2019, publicado no passado dia 21, que define o modelo de cogestão das áreas protegidas e manifesta a sua apreensão em relação ao futuro dos parques e reservas naturais, com o alijar de responsabilidades do Estado que esta nova legislação contempla.
No preâmbulo do referido diploma legal afirma-se que “Para esta nova abordagem concorreu determinantemente a experiência já adquirida e avaliada do projeto piloto para a gestão colaborativa do Parque Natural do Tejo Internacional, iniciado em 2017”, experiência que decorreu num parque natural de características muito específicas (um pequeno número de grandes propriedades agrícolas e pecuárias e uma baixa densidade populacional) e cujos resultados não estão devidamente conhecidos e validados pelo que, alargar essa “experiência” a todas as áreas protegidas nacionais, já em Janeiro de 2021, nos parece imprudente e insensato.

O Decreto-lei não é claro quanto às atribuições do ICNF (Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas), embora reponha (Art.º 2º e 5º) o n.º 1 do artigo 13.º do RJCNB (Regime Jurídico da Conservação da Natureza e dai Biodiversidade) que estipula “A gestão das áreas protegidas de âmbito nacional compete à autoridade nacional.” Fica, assim, um caldo de indefinição entre “gestão” e “cogestão”, que resultará numa verdadeira “congestão”; de qualquer modo, retira importância e protagonismo ao ICNF que, não nos esqueçamos, ainda é a Autoridade Nacional de Conservação da Natureza, com experiência e quadro técnico habilitado.

Pretende este novo regime jurídico (Art.º 5º) “Criar uma dinâmica partilhada de valorização da área protegida, tendo por base a sua sustentabilidade nas dimensões política, social, económica, ecológica, territorial e cultural e incidindo especificamente nos domínios da promoção, sensibilização e comunicação”, objetivo que nos oferece grandes dúvidas: a prioridade de uma área protegida é a conservação do património natural, e não tem que ser sustentável sob o ponto de vista económico. É obrigação do Estado sustentá-la.
Também nos parece muito inadequado que seja um presidente de câmara, só por ser presidente de câmara, (Art.º 7º) a presidir à comissão de cogestão e não um especialista, que deveria sair preferencialmente dos quadros do ICNF (até por razões de economia) ou ser escolhido em concurso público; será um presidente de câmara a “dar a cara” pela área protegida? Nada temos contra a atuação de muitos presidentes de câmara, mas não nos esquecemos que alguns foram, no passado, os maiores opositores das áreas protegidas.
O Decreto-lei empurra encargos para outras entidades quando (Art.º 6º) determina “Os membros das entidades referidas no número anterior [Conselho Estratégico] não têm o direito ao pagamento de qualquer remuneração ou abono pelo exercício das respetivas funções.”; então uma entidade, que vai apoiar pro bono a área protegida, ainda tem que suportar os custos das deslocações periódicas? Não faz sentido.

Também no Art.º 14º (Financiamento do plano de cogestão) é dito que são receitas as “Receitas próprias das demais entidades representadas na comissão de cogestão”; não faz sentido nenhum contar com os fundos próprios das ONGs (Organizações não Governamentais) e Universidades e é, mesmo, ultrapassar a autonomia destas instituições
De resto as medidas de financiamento não estipulam quem arrecada e gere as eventuais receitas (nomeadamente as eventuais taxas previstas no Art.º 18º.) e despesas, ficando implícito (dizemos nós) que será o ICNF ou uma câmara municipal. Perde-se a oportunidade de dar personalidade jurídica às áreas protegidas (recorde-se que o Parque Nacional da Peneda-Gerês já a teve) de modo a facilitar a sua gestão, criando um verdadeiro conselho de administração (esse sim, presidido por um autarca) e repondo o lugar de diretor da área protegida, preenchido por um técnico.
Feito o balanço, parece-nos que estamos perante um retrocesso significativo na política de conservação da natureza e a assistir a um “sacudir a água do capote” do Estado o que, de resto, já vem sendo percebido há anos pela ausência de criação de novas áreas protegidas e de gestão efetiva da Rede Natura 2000.

Porto, 23 de Agosto de 2019
A Direção Nacional

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